4.25.2016

quatro poemas





lições de estrago


1

o garoto com a cabeça deitada
nas pernas do garoto
guardadas num cabedal de injúrias
e ódio sodômico
a história exige
um ícone morto
e deposto

2

o garoto com a cabeça deitada
nas pernas da garota
essa sem coração
puta piranha maldita
roubou o olavinho o ricardinho
puto piranho piranhíssimo
pegou minha mariazinha
minha larinha minha tia
minha mãe minha filha
minha advogada minha nossa
atire nela 
neta do anticristo
calma com ele
é só um menino
não sabe o que é amor

3

a garota com a cabeça deitada
nas pernas da garota
colou às coxas
um comprido indicador
cabelos enroscados
estirando 
repulsa
caspa
minissaia 
sem vergonha
sem futuro
a piada sem graça
não afeta os cavalheiros 
desta sala palatina

4

a garota com a cabeça deitada
nas pernas do garoto
passou com 8,5

*

crueldade adolescente


décio pinto
que vislumbre da providência
tua mãe possui em louvor de que
igreja e instituição privada
qual divindade grega lhe tapa
os olhos e ouvidos que aposta
se erra que repentina tragédia
se abate ao padecer da certidão
o tatalar de tua identificação
soerguendo a risada besta
do colega a sobrancelha negra
do doutor a voz pujante
"vem cá é trote essa porra?"
destinado às insídias aos mexericos
você viu qual o nome dele você viu
repisando as locuções e anedotas
porém a chama solar vem vindo
décio também vi um pinto
atravessando a rua ele nada temia
guiado pela muleta do instinto
sim décio no lago soçobra o pinto
caniço e tosco até elástico
então tua lágrima enviesada oculta
porque um passo de mágica e décio pinto
você está vivo você ainda está vivo


*


vou incinerar teu coração de carne


                                           
nessa calcinha translúcida
sua pérola púrpura
chamo seus vários nomes
dark lady laura beatriz wanderléa
encosto nos seus ouvidos
as mãos em forma de concha
sussurro crisântemos
doce de coco
o soar do ósculo 
o suar do sovaco
monto-te no corcel
mãos e pés de fada
te levo pro mcdonald's
calorias nostálgicas
do regato de coca-cola
me come agora
porra
nenhum chamado onírico
me flutua como o porte
desse pedaço de alface
grudado ao incisivo
dessa música ruim
restando no tímpano
desse parei

*

belzec

uma ferida
incrustada no vão entre os dentes
da frente
enquanto dedo na gravata
pés no chão
calça na cueca
olho no cenário
uma piada
abafada
adiante
a plateia pede bis
você segurando a gravata
a cueca e o cenário
refaz a piada
abafada mais uma vez
e a ferida dói entre os dentes
que a língua cutuca
a piada de novo
a gravata apertada
a cueca apertada
e o tema podia ser melhor
piada imunda
como a cueca
a plateia é só risadas
jaz uma piada
hilária como nunca fora antes
uma piada
entre o cenário e a cueca 
o refletor mete brilho no chão
e um pouco de graça na sua cara
abalada
imperdoável
mas com graça
para uns
só para uns
uma cueca na boca
não cairia mal  
a ferida
entre o cenário e o chão
a divisória de fumaça
na boca nos dentes da frente
uma ofensa em alemão
a água escorre no bueiro
o suor na testa
os cadáveres empilhados
a cueca e a gravata apertadas
e a piada fazendo eco
sob o chão mais risadas
de outra plateia

*


Gabriel Resende Santos é autor do livro Elevador (Patuá, 2014) e sente-se ridículo ao se referir a si mesmo na terceira pessoa, mas sentiu mesmo assim a necessidade de fazer uma apresentação porque todos os poetas, inclusive os medianos e ruins, têm um ego maior do que admitem. Desculpe-me pela grosseria se você for poeta. Não é nada pessoal. Ou melhor, pensando bem, talvez seja. Qual o seu nome? Não, eu não saio com frequência pela rua com camisas amarrotadas, mas já pensei em vagar por aí totalmente nu. Só pensei, é claro. Peraí, do que eu tava falando mesmo?





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