4.07.2016

A primeira vez

Para o Rafa

A primeira vez que nos encontramos, eu estava vindo de uma festa, você estava vindo de um lugar onde deveria ter tido uma festa, mas eu já tinha estado ali, antes, naquela mesma festa em que eu encontrei você, voltei por insistência de amigos, e você, por insistência de amigos, foi cair ali, no mesmo lugar que eu. Quando, sem querer, ficamos muito próximos, os dois contra a parede, copos suados de chopp nas mãos, apertados contra a parede e a multidão, suados, nos olhamos, sorrimos mutuamente e, sem qualquer crise ou hesitação, nos entregamos ao enlaçamento secreto das mãos, longe da altura dos olhos dos outros. Dentro em pouco, confiantes, talvez pelo pequeno pileque, talvez em vista da comoção daquela hora, nos beijamos de modo intenso, embaralhado, despudorado. A intimidade veio a público e tornou-se parte da praça, também pública, agora amante ao som da música. Então vieram vindo: meus amigos foram me arrastando, me puxando, alegando estarem com fome, atrasados, prestes a perder a carona. Sequer nos despedimos direito. Para trás você ficou, enquanto eu ia para frente. E só. Sós ficamos.

Por pouco tempo.

A primeira vez que nos encontramos depois foi pelo Face. Você disse 'hey', eu disse 'hey, estou surpreso de te reencontrar'. Depois disso não paramos de falar sobre a semana que nos separou, fazendo graça com o quase desfecho do "fui-trocado-por-um-x-salada-com-coca", relembramos o clímax daquele momento, ficamos sérios e apreensivos com a confissão da vontade mútua de nos ver. De novo. E mais. Marcamos um encontro, nos despedimos.  Mas, cada qual, passou o resto do tempo sem fala a fuçar no perfil um do outro, a escondido, descobrindo pequenos pedaços, histórias, falhas, afetos, datas, só para sondar os territórios de pisada.

A primeira vez que tivemos um encontro foi em minha casa. Chamei você para um almoço, qualquer coisa com salada, sobremesa, filme de tarde, pipoca, guaraná, um programa legal. Só eu e você. Quase como uma propaganda, uma família Doriana, um casal de refrigerante. Descobri depois que você não gostava muito de carne vermelha, mas não disse nada quando servi aquele pedaço de bovino assado com batatas, alecrim e cerveja. A despeito dessa gafe, não dá nada, tivemos aquela conversa animada sobre as coisas que descobrimos sobre o outro, detetives de internet e perfil. Claro que a comida foi esfriando nos pratos, mas o coração seguiu esquentando no corpo. Encerradas duas horas à mesa, nos jogamos no sofá, escolhemos um filme e ficamos abraçados.

Foi a primeira vez que dormi com você.

Ali, no sofá, vendo um filme que nem lembro mais qual era, adormeci. Suas mãos acariciavam minha cabeça apoiada no seu peito enquanto suas costas descansavam contra umas três almofadas. Uma cachorra dormia aninhada entre nossas pernas, enchendo a cena ainda mais de languidez. Eu só acordei, babando, quando o filme já tinha terminado. A primeira vez que babei em você. Rimos da situação, do meu constrangimento, da intimidade inesperada daquele momento. Fiquei menos tímido com sua defesa: "ora, se já nos beijamos...saliva contra saliva...". Então foi quando nos beijamos mesmo. E mais.

Naquela tarde, o reino da primeira vez havia sido fundado.

Hoje, perto de um ano daquela festa, mesmo quando fazemos coisas que já fizemos outras vezes, tudo ainda parece novo e fresco. Não reclamamos de tédio tampouco reclamamos um do outro. O que mais fazemos é reclamar presença, reclamar da ausência. Por isso, por nos querermos tanto, há aquela vontade doida de verbalizar o eu-te-amo de um modo mítico - como se durante a noite o amor morresse durante o sonho e precisássemos reafirmá-lo, acordados, a cada manhã reposta. Tudo para que a primeira vez seja atemporal, sem fim, roçando doce nas mãos dadas de nós dois.

.:marcio markendorf



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