9.15.2014

dos preconceitos que ignoramos (parte I)


O programa de índio

O significado da expressão, ao que tudo indica, esteve relacionado, em um primeiro momento, com atividades que envolvessem contato com a Natureza. Acampar no meio do mato pode ser uma delas. Fazer um luau em volta da fogueira também. Quanto ao sentido fundante da expressão, ainda deve-se dizer que há uma clara distinção entre o que é positivo (a sociedade) e o que é negativo (a natureza), uma vez que o mundo natural pode ser uma fonte de desconforto para o "sujeito civilizado" da metrópole. Nessa perspectiva, apesar de todo louvor à figura do nativo durante o Romantismo brasileiro, o índio é percebido como um sujeito inferior ou, no mínimo, alguém que sofre da "carência iluminada do progresso". Ou seja: a expressão está imbuída de um significado depreciativo para o folk original da nossa terra, uma das matrizes do que se considera a raça brasileira.

Nos dias de hoje, a expressão, como vem sendo empregada, pode ser usada para descrever qualquer programa considerado entendiante, frustrante, equivocado. Passeio em shopping center, balada lotada em espaços mínimos, happy hour em dia de chuva. Na virada de sentido da expressão, a ideia de Natureza desaparece em função de uma noção mais preconceituosa do indígena: aquela do sujeito não apenas deslumbrado com as novidades, mas alguém que também não sabe fazer escolhas interessantes. Quase equaciona-se com a imagem do matuto (outro foco de um preconceito histórico, manifestado por uma visão caricaturesca do morador da zona rural nas festas juninas), pois, de acordo com a mente moderna, valendo-se do exemplo acima, shopping é lugar de compras não uma espécie de parque ecológico ou museu.

Logo, naturalizada pelo largo uso, não se podem ignorar os conteúdos ideológicos que a expressão possui, especialmente no que diz respeito à manifestação do preconceito. E é algo tão presente no cotidiano que talvez seja difícil estabelecer esse ponto de parada para atentar para seu significado discriminatório. Convém, portanto, uma reflexão sobre esses preconceitos embutidos e mascarados pelo uso trivial. Deixar de usar a expressão (ou reprimir seu uso pelas outras pessoas) é um modo legítimo de lutar contra formas de depreciação para com nossos camaradas, os indígenas e seus descendentes. Ao menos é um primeiro e pequeno passo rumo a outras posturas éticas para com os nossos iguais.


.: marcio markendorf




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