6.01.2014

o platonismo pós-moderno

"é minha noiva quem faz isso por mim".

demorou algum tempo. eu sei, eu já sabia que algo havia, mas ainda assim: demorou algum tempo para me recuperar. foi quase como se eu estivesse para desabar no chão, sem ter tropeçado, sem ter perdido a pressão. o frio de um looping de roller coster, sem as mãos. noiva?

não que eu já não soubesse que havia algo. a aliança no anelar da mão direita atestava o óbvio. era inegável que algo havia. e eu repetia que aquele anel era um campo de força que me repelia. (e, paradoxalmente, ainda me atraía). vai ver era vontade de que nada fosse, e fosse para o espaço o laço que aquilo unia.

ainda sabendo, eu me inventava de aventuras. o fato de nunca ter, até então, mencionado nada, nem ninguém, me parecia uma vaga esperança de proteção. vai saber, não? essa profissão deve inspirar muitas fantasias, enganos, tentativa de aproximação. fetiche. mais vale um anel de compromisso nenhum que três séries de verbos de esquiva, três substantivos contra o constrangimento, um objeto tornado indireto, indeterminado e oculto.

eu era um cara apaixonado. eu sou um cara apaixonado. mas de um amor de distâncias. não queria nem beijos nem abraços, só queria não manter vazia minha piscina de afetos. golpe duro, golpe baixo:  você elege alguém para gostar, por puro amor, para não se sentir vazio; então o vazio se torna puro e o amor, uma via crucis de ouro.

eu entendia meu lugar no altar: genuflexo, temeroso do olhar de cima, rezando por atenção como quem pede graças aos santos canonizados. entretanto, isto: contrariando tudo, eu interpretava os gestos mais desinteressados como as mais espontâneas formas de demonstrar afeto. recíproco.

assim, apesar do círculo no dedo...apesar do impulso não carnal do afeto...apesar de saber impossível desde o princípio...eu ainda deixava-me arrastar para o precipício, entorpecido pela fantasia amorosa de nós dois.

e fui flechado por uma flecha que não era de cupido: era a noiva fazendo-me de são sebastião.

depois do tapa da palavra, por hematomas depois, senti aquela sensação duradoura de estampido, aquele tatear da mente no meio do nada, na cegueira de pensamentos mancos, lentos, furtivos.

não era apenas a trilha de um amor impossível, aquele da diferença de classes ou das famílias inimigas, com fim trágico. era a certeza de que todo o amor, qualquer amor seria, para mim, sempre impossível.

e quando ela disse que tinha uma noiva, a catástrofe se fez no coração, e aqui estou eu: à espera de que alguém me tire das ferragens. espero que não demorem e me resgatem, se o diabo quiser, ainda com vida.

.: marcio markendorf









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