4.16.2014

passional


I.
então ele ouviu justamente aquela música. o ar ficou mais denso, ganhou uma espessura de nuvem, salpicada de uma luz vazada da pequena janela gradeada. fechou devagar os olhos, abriu um sorriso bonito. ele rebobinou os vhs's da mente e exibiu no videocassete da memória, aquele com tv de tubo embutida, a história mais linda e sem fim. da imagem de um só protagonista, viu felipe em cima da bicicleta. era divertido se divertir com ele. rir do jeito que ele dublava as músicas. sorrir das caras engraçadas. gostar de gostar daquele rosto lindo, da voz saborosa lá de cima, vindo para baixo como uma carícia rouca. por isso, era preciso: evitar que os olhos se cruzassem, a óbvia cara de bobo, a bandeira branca. inteiramente branca, desfraldada e ajoelhada. um close-up da cena mostraria duas lágrimas gordas desabando pelo lado esquerdo do rosto, molhando o contorno dos lábios semi-sorridos, diluindo-se em um mar vermelho.
era este o pequeno filme do amor.

II.
'o que você tá fazendo, rodrigo? para, pô!'
'já que não vai por bem...'
'para, caralho, saí de cima de mim! vira essa porra pra lá'

um estampido, um baque surdo.

III.
'é hoje que eu conto pra ele, dora. não aguento mais não'
'você tá louco? o cara é casado e não é gay não'
'cavalo amarrado também pasta'
'e acha que um homem vai assim, ficar contigo, sem mais nem menos, só porque você está apaixonado por ele?
'então vai por mal, dora, vai ter que ser por mal. não aguento mais injúria de amor não'

IV.
'rodrigo? quanto tempo! como andam as coisas contigo? amigo, não nos falamos desde o carnaval'
(...)
'e a academia? tá naquelas aulas de bike?'
(...)
'paixão platônica de novo? por que você não se interessa por alguém que tem chance? não, não, tudo bem, vem aqui e a gente conversa melhor'.

V.
era o primeiro dia dele. rodrigo estava distraído, ajustando o selim, regulando o guidão. foi quando sentiu um leve cheiro amadeirado, de alguém que passou por ele. de soslaio, viu que o cara devia ser o instrutor da aula. rodrigo montou na bicicleta, ajustou os pedais e quando finalmente olhou para frente, foi como ter sido atingido por um desfibrilador.

'hey todo mundo, meu nome é felipe, e felipe quer dizer o amigo dos cavalos, eu não monto em cavalo, nem nunca cheguei perto de um cavalo, de modo que não sei se vale o cavalo de ferro, como são chamados os trens, já que gosto muito e sou meio nostálgico. quem veio a primeira vez e precisar de ajuda, pode me chamar. bora para o aquecimento, aí vai a primeira música. girando solto, pedalando leve, no ritmo, vamos lá!

e rodrigo ouviu: this is the first day of my life, swear i was born in the doorway, i went out in the rain, suddenly everything changed...

um sorriso tímido surgiu naquele rosto de rodrigo bobo.
pela primeira vez.

.: marcio markendorf.



Um comentário:

Anônimo disse...

gosto de estar onde você está. mesmo que eu ainda também seja invisível. quando me materializar diante de seus olhos, desejo que me guie. desejo que pegue em minhas mãos e me leve ao destino e as aventuras que mais arduamente povoam os seus sonhos...