1.26.2014

manual de sobrevivência - 2



2. Resistir a um filme muito ruim. Bom, nem todas as experiências numa sala de cinema são inesquecíveis e mágicas. Quem nunca viu, principalmente em sessões com classificação indicativa baixa, os espertinhos que contam piadas e gritam “gostosa!” sempre que a mocinha aparece seminua, andando pra frente e pra trás nos seus bancos como um paciente de sanatório mental. Às vezes tem aquela fã do mocinho que suspira a projeção inteira, quase num orgasmo abafado sempre que o rosto do galã preenche a tela em close. Ou as gritalhonas, que fazem questão de deixar claro para o resto da plateia que são capazes de amar, expressar esse amor e inevitavelmente se desiludir com ele. O garotinho (ou marmanjão) que não deixa a perna quieta, chutando as poltronas da frente com fúria homicida. E o não menos importante atendente de telemarketing viajante, que não consegue conter-se de teclar e falar com a mãe, o pai, a professora e o primo de terceiro grau no clímax do filme que ele provavelmente pagou pra assistir. Bom, apesar dos filmes tragicamente arruinados por essa plateia de vilões, piores para um cinéfilo do que um Hans Gruber ou Darth Vader, nada se compara de fato à experiência de ver um filme ruim. Um filme realmente ruim, um desperdício de película, uma bomba-relógio de duas horas, um godzilla de mediocridade que te ridiculariza por sujeitar-se a permanecer ali, contemplando aquilo. Algumas pessoas não podem reclamar (ah, vamos ver esse novo filme com comediantes magros se fazendo de gordos!), mas esperar grandes coisas e se decepcionar, como um pai que vê o filho ingressando no curso de Filosofia, o orgulho de seu próprio bom gosto sendo partido, é o que realmente detona o ego e o equilíbrio mental de um espectador exigente (ou apenas carente). Mas temos boas desculpas. É preciso arriscar para petiscar, afinal.


Enfim, o que fazer durante uma projeção ruim. Você não pretende abandonar a sala, por mais ofensivo e grotesco que o filme pareça. Não: você vai até o fim, como um profissional. Concentrar-se em algo positivo. Primeiro, é muito divertido falar mal de um filme ruim. Pense no prazer que terá esculachando com motivos de sobra aquele ator que tem mais sucesso profissional e pessoal do que você. Ou que fez uma declaração sobre a Palestina que você não curtiu. Ah, como ele está ruim, ah como ele é péssimo. Sim, ele está ruim, péssimo, horrível. É bacana perceber que atores bons também podem ser ruins. Mas se você gosta do ator, deixe pra lá. Tente lembrar da filmografia daquele diretor, o que há de admirável e coerente na bomba que você assiste? Tente encontrar esse elo que conecte o filme péssimo com os filmes bons, talvez a ovelha negra seja bem recebida na família. Não funciona, ok. Então concentre-se no frio. Olha que beleza. 45º lá fora, um apocalipse de verão praticamente, e você ali. Vendo um filmeco, mas no ar condicionado. Sinta o friozinho te aconchegar, mas não durma. Você precisa ver o filme, você não vai desistir, você não pode desistir. Faça o seguinte: perceba os erros do filme e aprenda sobre linguagem cinematográfica. Uma bela aula de mise-en-scène: aquela continuidade capenga, os planos tortos que cortam metade da cabeça dos atores, a trilha-sonora sentimental que te dá sono. Evite tudo isso quando for fazer um filme, pense no contraste do que você vê com o que faz um grande cineasta, tipo Tarkovsky, aquele russo do Solaris, mestre maior do cinema europeu. O que Tarkovsky diria desta aberração, pergunte-se. Mas Tarkovsky não se permitiria ver algo assim, você permitiu. A culpa é sua, burro. Peraí. Não se culpe, não se culpe. O filme está acabando. Se não estiver, concentre-se: tem nudez?

_gabriel resende santos_

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