10.21.2013

Viajantes de Hotel

Odeio este meu trabalho. Sempre me enviam para cidades de um interior cada vez mais longe. Não sei por qual razão. Esta atividade também carece de qualquer lógica. Apesar de tudo: faço o que é preciso. Fico dois ou três dias nesses matadouros e depois retorno ao centro da Grande Cidade. Com alguma benção e muita alegria. Voltar ao meu próprio espaço é quase uma ressurreição. Tudo porque estes quartos de hotel barato parecem-se com o lugar dos mortos em trânsito. Standard, Luxo, Super Luxo? Não sei porque inventam essas categorias tolas se o serviço continua de última. Então estou aqui, neste pardieiro master, com alguma melancolia. A televisão de tubo ao menos é colorida. Já estive em lugares que era uma caixeta de 14 polegadas, preto e branco, com uma pequena rachadura. A maior parte dos canais é religioso - o que parece incompreensível - e quase me dá vontade de folhear o novo testamento, de capa azul royal, dos Gideões. Contudo, contrariando a tradição hoteleira, não há listas telefônicas. Dou-me conta disso quando, ao zapear os canais, ouço um pastor dizendo que Jesus venceu a serpente e subiu aos céus no terceiro dia. Qual tipo de sumário bíblico seria este, desconheço. Vontade de ligar para alguém, ouvir alguma outra voz, nem que seja por alguns segundos. Não gosto de conversar. O meu trabalho pede muito isto: o silêncio. Prefiro desligar a televisão e observar o cômodo. É um mantra, uma meditação. Logo em frente a cama há um aviso de latão pintado escrito "proibido fumar"; a dois palmos de distância, em uma dimensão muito menor, um quadro com alguma paisagem vagabunda, destes de lojas de 1,99. Cheguei mais perto para ver o que era. Não poderia ser mais kitsch: uma montanha ao fundo, um cenário de floresta, uma corredeira, uma cabana de palha. Uma das casas dos três porquinhos nos Alpes? É possível. Por curiosidade, tirei o quadrinho da parede, a procura de alguma outra pista de sua origem e, para minha surpresa, o objeto cobre uma porção de parede com a pintura descascada, com três furos e três buchas um pouco aparentes. É o método do interior então. Tenho medo de olhar embaixo de cama e ver se escondem mais alguma coisa embaixo dela. Ao menos a roupa de cama é branca, limpa e tem cheiro de limpo. Em outro lugar que fiquei as toalhas tinham um quê de manchado, de puído, de tecido endurecido. Mas uma curiosa sistemática se mantém: no pequeno e mal planejado armário embutido - ali estão a TV, o frigobar, um cobertor, um edredom e uma desconfortável mesa de trabalho - há um espaço para pendurar roupas. Ali, três cabides pendurados, dois daqueles vagabundos de arame, um azul outro vermelho, e um mais vagabundo ainda, de plástico, de uma cor lilás. Parece recorrente essa falta de padronização de cabides e esta escolha vexatória da qualidade. O assustador é que este não é um hotel de pequeno porte. Médio, talvez. De qualquer forma grande para uma cidade tão pequena e desabitada. Estranhei que, ao chegar de madrugada na recepção, o porteiro ter me perguntando se eu tinha reserva (e ele olhou-me de um jeito como se fosse dizer que não havia vagas), só para depois anunciar que havia muitos quartos livres. E de fato havia. Foi de manhã que eu notei que todos os quartos deste longo corredor, com exceção de um outro além do meu, estão com as portas abertas, sinal claro (e não convencional) de que estão vazios. O porteiro veio comigo até o quarto, trouxe minha mala, apresentou os aposentos - simpatia própria destas cidadezinhas e das famílias de subúrbios bem suburbanos das grandes cidades. Ainda no corredor eu ouvia o ressonar profundo do outro hóspede que está neste mesmo andar, o que me levou a pensar que a noite seria um tormento. Ainda mais porque o ouvi ir ao banheiro, fazer qualquer ablução na pia, cuspir. Não há muito isolamento de som, o que faz isto aqui parecer mais uma pensão barata do que um hotel. Ao menos tentam compensar com um nome (controversamente) mais nobre: Torre Eifel. E a grafia é esta mesma: Eifel. Se os parisienses soubessem, teriam um surto psicótico nos trópicos. Por causa do meu trabalho e de minha personalidade embotada, tendo a ser muito equilibrado, muito embora não possa arredar meu pensamento destes juízos. Mau juízo sem prejuízo, este é o meu lema. E falando nisso, é preciso dizer: o banheiro é bastante razoável. Em outros lugares já vi coisas piores. Desde portas não abrindo completamente porque batiam na borda do vaso sanitário até boxes rachados que inundavam todo o banheiro. O lugar é funcional, tem algum espaço, embora não seja esteticamente bonito. O que mais me incomodou foi o forro de PVC. Durante a noite, em virtude (espero!) de alguma corrente de vento, vinda de algum lugar, as placas faziam barulho. Eram fraternas aos telhados de zinco mal rebitados em dia de vento. Por sorte, pelo cansaço da jornada, dormi logo, sem me incomodar com estes sons - de dentro e de fora. Acabaram de me ligar. É hora. Preciso descer a torre de treliça e ir lá fazer o meu trabalho. O dia está nublado, emburrado, com cara de chuva próxima. Ótimo para o que necessita ser feito.

.: marcio markendorf

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