7.03.2010

vincenzo


'boa noite, o senhor tem cartão de fidelidade vincenzo?'
...
nome: aurélio gonçalves
idade: 23 anos
escolaridade: ensino médio, concluído no supletivo.

há cinco anos trabalha na rede de supermercados vincenzo. há cinco anos, todos os dias, faz o serviço de caixa e acha a vida muito feliz. depois de cumprimentar todos seus colegas, com aquele seu sorriso de sempre, vai até o caixa rápido de sempre, aquele das cestinhas com, no máximo, 15 volumes, para ocupar seu posto. aurélio gosta muito do que faz. orgulha-se de nunca ter errado um troco, de sempre ter fechado bem o caixa, de modo geral, com sobra [as primeiras vezes, as mais difíceis, quando ainda não havia investido o corpo do automatismo necessário das calculadoras e dos robôs, ele errou. errou feio. mas são coisas que ficam num passado tão remoto que aurélio finge nem lembrar delas. quando muito é como se tivesse vivido por uma época negra, de vacas magras pastando na pradaria e com um leite magro e fino de tão pobre]. por mais que não existisse nenhuma proibição quanto passar 16 itens nos caixas rápidos, aurélio gosta de contar todos os produtos que passavam por suas mãos. ele anotava discretamente, em um bloquinho do caixa, todos os números para que não se esquecesse. comentava com os colegas de trabalho, na saída do trabalho, com um misto de assombro e fascínio, as estatísticas do dia [hoje foram tantas pessoas acima do número permitido, tantas abaixo]. seus colegas, quase sempre, sem muito interesse, esboçavam um leve sorriso que o deixavam muito contente. todos os dias aurélio voltava para casa cansado, mas de alma lavada: ele era um homem trabalhador e sua mãe poderia se orgulhar dele. quem mais poderia querer uma vida tranquila de caixa de supermercado como a dele? muitas vezes sonhava bobagens, imaginava-se como o dono de toda a rede vincenzo. eram sonhos bem bobos, sem dúvida, coisas que não levam a lugar algum. ele não queria estudar mais, já tinha chegado onde dava. 'estudar mais para quê? a vida é tão tranquila e eu sou tão feliz', ele pensava. pensava enquanto contava os itens da cestinha, pensava enquanto terminava de empacotar as compras do senhor fulano, pensava enquanto dava um adeus sorridente à senhorinha, pensava isso enquanto não precisava, ainda acionar a luz vermelha, chamar o outro cliente e perguntar:

'boa noite, o senhor tem cartão de fidelidade vincenzo?'

.:marcio markendorf


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