5.10.2009

carta mestra


cariño,

vamos fingir, sim, deliberadamente, que me encontro em um labirinto de cartas. do drama passemos a farsa, da tragédia à comédia. quero é achar graça dessa mania de coisa séria, de palavras difíceis e grafismos em espiral. o minotauro já decidiu que vai fazer o texto. ariadne, ela vai tricotar os figurinos, em cena e durante toda a temporada. não temos tempo para planejar o cenário, porque dédalos foi demitido e o que não falta é tapume e sucata. me pergunto porque tanta cenotécnica naquele teatro se a quarta parede fica sempre aberta? nessa história teseu não entra, ele é estrangeiro e só vamos falar a língua corrente. o que interessa é ter casa cheia e conseguir boas risadas da platéia. chamamos você aqui para nos ensinar improvisos e nos ajudar a criar imprevistos. vamos fingir que todos queremos sair do labirinto, mas ficamos montando paredes de envelopes para dificultar a vida. a graça é que os envelopes sempre caem e a ação é montá-los para deixá-los cair. a iluminação vai ser fixa, constante, não queremos apelar para sentimentos, nem forçar qualquer entendimento. foi uma reunião de elenco difícil, mas decidimos que não faz mal seguir o que acredito: renego todo o mito porque quero o sorriso ao invés da fala, o possível no lugar do desejável, o futuro próximo sem subjuntivo. eles só não entenderam meu plano subversivo, fingimos que não sabemos que fingimos quando encenamos apenas para estarmos juntos. já temos clara a primeira cena. alguém tira a caneta da minha mão e damos risadas de quem sabe exatamente qual a próxima ação do outro.

E.H.

ps.: não faremos ensaios. se quando vier, parecer difícil entrar, ou tiver receio de não saber sair, use esta carta mestra. me chame, vamos chutar umas paredes, dar risadas. só não me permita criar mitos enquanto trabalho cariños.

.: oberdan piantino
florianópolis, 09 de maio de 2009
(19ª das cartas de edward para hopper, proposta literária
baseada no projeto epistolográfico do blog incorrespondências,
de marcio markendorf e nas correspondências de ana cristina césar,
imagem de hopper, "sun in a empty room", 1914).

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