3.20.2009

carta de papel


dear,
um barco de papel. envio esta carta com as marcas das dobras que farão dela um frágil barco de papel, como neste em que me vejo a enviar notícias. As responsabilidades na empresa aumentaram. os grevistas falam em paralisação total, os acionistas em demissão em massa e, eu? eu desconverso dizendo que estão sendo desenvolvidos estudos técnicos quanto ao que pode ser concedido sem prejudicar a produção mínima necessária à manutenção do faturamento médio. minhas roupas estão apertadas e a camisa vinho que tia Margaret enviou descoloriu. você achou meu sapato de verniz no closet do quarto de visitas como lhe pedi? o trânsito aqui é infernal, pára-se por qualquer coisa. você acredita que um taxista resolveu descer do veículo porque reconhecera a imagem de seu avô em um bulldog castanho claro que passeava disperso com sua dona de 80 anos? pois é, yeeh, o congestionamento foi de 9 quilômetros. sorte nossa que o bulldog se ofendeu com o excesso de intimidade que o taxista se deu ao tentar abraçá-lo e enxotou o infeliz para seu devido lugar. a fila daria a volta ao mundo a essa hora. dobre na seqüencia que anotei nos cantos da folha. as letras "F" e "D" diferenciam as dobras para fora das dobras para dentro. fiz tudo de errado quando cheguei, mas já estou preparado para a próxima. a mão inglesa aqui existe! mas só entre as 2 e as 4 da madrugada. dizem que é coisa do álcool, mas é tão pontual a troca de mão que até parei com os porres noturnos para apreciar melhor a coreografia. envia pelo Jonh uma atadura de algodão da farmácia, aquela em frente a praça, as que eu comprei aqui me dão coceira. não se preocupe, não foi nada de grave. lembrei da música que você cantava pra mim nas noites de insonia, anoto abaixo minha nova versão da letra. já imagino você cantando enquanto faz ondas para nosso barquinho tremular na banheira (use a do andar de cima, gasta menos água).
...
durma, cariño, durma e me tome em sonhos como lhe tenho agora nos braços. durma, cariño, durma. braços feito a traço, mas ainda abraços. durma, cariño, durma. a essa hora até os monstros encontram morpheus e com ele fazem valsa. durma, cariño, durma. não é porque estou prestes a chegar que você precisa arrumar a casa e vestir-se em festa. durma, cariño, durma. para entrar no mundo dos sonhos, a condição é esta. durma, cariño, durma. deixe um mar anil espalhar-se além do cais. durma, cariño, durma. é feita de nuvens sua cama. durma, cariño, durma. para não cair na água acompanhe o balanço. durma, cariño, durma. que seja o seu tronco música. durma, cariño, durma. seu abrir e fechar de olhos, compasso. durma, cariño, durma. é seu peso sobre meu colo que me dá descanso. durma, cariño, durma. lanço-me logo atrás, olhos abertos debaixo d'água.

.: oberdan piantino
(17ª das cartas de edward para hopper, proposta literária
baseada no projeto epistolográfico do blog incorrespondências,
de marcio markendorf e nas correspondências de ana cristina césar,
imagem de edward hopper, "ground swell", 1939).

Um comentário:

marcio markendorf disse...

pois fica muito visível nesta carta o trabalho poético posto em descanso, curtido para o melhor gosto.certo que as leituras de ana influenciaram outra sutileza no tom e outro traço prosaico no conteúdo. não significa que as marcas de autoria desapareceram com a deglutição: tua intuição forçou a expressão de outra forma para o conteúdo e que termina com a iluminada (e antiga)carta de embalar.