6.30.2016

black friday



À chegada do séquito de consumidores, os feirantes forjam o melhor sorriso possível nos rostos ansiosos. Não existe falsa simpatia enquanto não conhecemos a fundo o coração das pessoas: é bem mais fácil acreditar que o vendedor sorri porque nos acha miraculosamente belos ou bastante simpáticos, porque lembramos seu pai, sua irmão, ex-namoricos, etc, como se remeter fisicamente a alguém da família ou antigos casos amorosos fosse bom agouro, sabendo-se lá o que cada adulto leva em sua estufada bagagem interior, isto é, sua experiência, o que pode abarcar pais abusivos, relacionamentos incestuosos e rompimentos traumáticos, e não porque está louco para nos enfiar goela abaixo novas necessidades que antes nós não entendíamos como, well, necessárias.

Hoje é dia de faturar e o sorriso falso em questão de tempo deverá ser substituído por uma genuína e expansiva gargalhada de triunfo. Imagine a risada casualmente maligna ecoando pelo infame recinto dos contadores, proporcionando um pequeno entreouvido, daqueles de firmar orelhão em cerca de madeira, das liturgias satânicas do american dream ou, neste caso, de seu irmão caçula, o latin american dream.

Espalhado por tendas na companhia de pequenas plaquinhas indicativas de preços e descontos, dá-se às vistas um inventário considerável de manuais de invocação, grimórios e cramunhões. É a promoção do dia, então o custo-benefício é incomparável. Por motivo de boa vizinhança, nenhum dos feirantes abusa no preço deslealmente baixo, evitando uma reação em cadeia de prejuízos para si e os outros. Ademais, o vilãozinho certamente seria expulso da feira ou teria sua alma maculada entregue a Belzebu num ritual sabático, pois dia útil é dia de batente.

À luz minguante, entram e saem clientes das mais diferentes classes, metade do salário, cinco por cento, que seja. Nossos produtos garantem um futuro confortável. Ai que lindo mãe posso levar, indaga uma angélica garotinha apontando para um boneco de vodu. Incapaz de resistir aos encantos da menininha, a mamãe desperdiça o câmbio para fazer sua vontade. Bacana, mas é sempre preciso ter cautela para não mimar seus filhos. É preciso impor limites ou eles sentam em cima. Morrerá em segredo o propósito deste boneco em específico.

Quando a alvorada se impõe, gloriosa, abrasada e pagã, já não sobraram muitos consumidores. É hora de animadamente desmontar as barracas, encerrar as atividades e voltar pra casa. Parabéns, pessoal, todos lucraram o dobro do mês passado e sem sacrifícios. Risadas. Viva, viva. Hoje vai todo mundo comer bem pra caramba lá em casa.

_gabriel resende santos_

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