5.05.2013

face




andei por aí procurando teu rosto. por toda a cidade eu andei por aí, procurando o teu rosto. apenas o teu rosto. eu vi os homens-lagartos, os manequins, os violonistas de esquina, atrás de teu rosto eu vi os hippies e yuppies se misturando na praça quinze, gravei cada ruga dos mendigos e velhinhas, e dos pombos alimentando velhinhas. procurei no show de rock a tua expressão de grito. vi os amigos se abraçando e entre eles não vi teu rosto. procurei nos noticiários, nos classificados, no obituário, debaixo das cabines de foto 3x4. li os poemas herméticos, os recadinhos de ensino médio, os guias de turismo. nos detalhes eu perdia teu rosto: a cárie, a espinha, o fio de cabelo, o contorno do queixo. de madrugada eu procurava teu rosto, cegamente tateando os ouvidos das paredes, esperando arranhar um que fosse o teu. vi as suspeitas de homicídio, as tatuagens de dragão, as pernas caminhando sem parar. ouvi todos os recados telefônicos esperando que a gravação dissesse teu rosto. fui ao teatro ver a tua máscara. procurei no arranhado do espelho, no arranhado do meu rosto. embora andasse por aí, não encontrei teu rosto. e continuava andando. talvez o teu rosto estivesse no rodapé de uma grande enciclopedia, desenhado nas costas de um irlandês ou na janela do vizinho. os ossos começaram a falhar de tanto andar por aí.

então paro. virando o concreto de minha andança, paro definitivamente. é só então que vejo, imóvel, o teu rosto saindo da noite para me procurar, perdendo-me, talvez para sempre, nas olheiras de uma estátua.

.:gabriel resende santos

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