3.22.2011

o 'abre-te, Sésamo'


O maior problema da cidade grande é o da comunicação entre as pessoas. Transitamos o dia todo por uma massa de rostos desconhecidos e de gente que não sabemos (e nunca saberemos) quem são. Conseguir que alguém faça algo por você - e da melhor maneira possível - é privilégio de quem tem uma boa rede de contatos. Um tipo de carta de apresentação: 'Eu sou Fulano, amigo do Cicrano, ele indicou-me você para....'. Plim. A evocação de um nome muda tudo. Você é tratado com mais humanidade e respeito, afinal, você é conhecido de alguém em comum. Claro que a rede de contatos não funciona para todas as ocasiões, sobretudo as mínimas. Como, por exemplo, ser melhor atendido por um caixa de supermercado. Descobri tempos atrás que o segredo está na personalização.

Uma pessoa que precisa atender um volume enorme de pessoas - com problemas, solicitações, diferentes disposições de ânimo - gasta muita energia ao longo do dia e, na maioria das vezes, não procura fazer muito esforço para parecer simpática. Não há nada mais constrangedor do que fazer uma compra enorme e ficar olhando para aquela caixa que não te olha nunca ao som repetitivo do pi pi pi dos itens computados pela leitora de código de barras. Pior que isso só silêncio de elevador.

Para criar um mínimo de simpatia nessas horas, sempre use o nome da operadora do caixa (dica: olhe o crachá dela), bem assim: 'Olá/Bom dia/tarde/noite, Camila'. É batata para ela abrir o sorriso. Todo mundo gosta de ser chamado pelo nome. Ainda mais quando esse pequeno gesto torna alguém um sujeito individual e, de alguma forma, especial naquele momento da jornada de trabalho estafante. O melhor é até você fazer um comentário de ordem pessoal, valendo até a mentira: 'É um nome bonito, tenho uma prima com esse nome, ela é linda também'. Note que aqui você faz um comentário indireto sobre a aparência da caixa sem parecer que está cantando ela. Tudo para parecer simpático. Novo sorriso dela, até meio encabulado. Se você for do tipo que guarda significados de nomes, comente: 'Camila não significa 'aquela que foi alimentada com leite de loba?'. . Já está deslumbrada. Provavelmente ela nunca soube o significado do nome (incrível como nos dias de hoje ninguém quer saber o signficado do próprio nome) e vai ser tomada de encantamento com a informação. Mais sorrisos, melhor atendimento. Mais leveza.

Uma variante da situação é com os nomes diferentes. Epicreusa, por exemplo. Se a caixa tiver um nome assim, comente com um tom de admiração (nunca de espanto!) o quanto o nome dela é singular. Pergunte: 'Qual a história do seu nome? Quem deu esse nome a você, que origem é, etc etc.'. Geralmente, essas pessoas adoram contar esses detalhes, mesmo que não gostem da sonoridade do próprio nome. Por isso vale um reforço positivo: 'É um bonito nome, uma bonita história de nome'. Ou: 'Na verdade estou me lembrando que já vi uma pessoa chamada assim em algum outro lugar'. A fraternidade nominal também quebra com a sensação de estranhamento da pessoa com o próprio nome e a faz percebê-lo com outros olhos. Provavelmente ela voltará para casa muito mais feliz. E doce. (Quem sabe até abandone o apelido pelo qual prefere ser chamada).

Dia desses foi outra situação descoberta. Já havia ido até o banco por três motivos diferentes, todos reclamações, não fui atendido nada bem e não conseguia nada do que eu queria. Para piorar, fui atendimento pela mesma mulher as três vezes e ela usava o crachá virado de modo que nem o nome dela poderia ver. Então, nada de truques.

Pois bem, eu tive que ir até lá outra vez. Entrei, vi ela com a cara emburrada de sempre, crachá virado como das outras vezes. Sabia que a mulher me reconhecia. Ela sabia que eu sabia. Mas era só aquela impressão vaga, nada definida, de 'essa pessoa já esteve aqui'. Esperei que começasse a me atender e improvisei: 'Você mudou o cabelo, não foi? Está diferente...'. Foi pega de surpresa. Ela sorriu, olhou bem para mim, disse que 'sim', perguntou se fazia tempo que eu não vinha ali. Respondi que sim, o que era, obviamente, uma mentira, mas precisava blefar. Ela mesma continuou: 'Faz tempo que faço luzes, mas mudei o tom desta vez'. Ahá! A brecha que faltava: 'É isso mesmo. Agora me lembrei... Nossa, ficou com uma aparência bem mais jovem'. Fisgada total. Mulher adora um elogio, ainda mais se notam o que ela fez no cabelo, o vestido novo, etc. etc. Só sei que, depois disso, ela me atendeu que foi um doce de leite, faltou só me servir café. Chamou-me pelo nome, pediu desculpas pela demora no sistema. Ficou até nervosa a ponto de trocar os documentos que deveria me entregar. Por fim me deu um tchau tão gracioso que acho que não apenas eu, mas todo aquele banco ficou muito mais leve.

Pois, pessoal, é este, em minha opinião, o 'abre-te, Sésamo' da cidade grande.


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