se aquele corpo tocasse o meu, eu viveria o arrepio. a repulsa. o recuo do mar que não volta a fazer onda. eu faria a volta. o contorno. abraçaria o desvio com as duas mãos e os pés a toda. se aquela boca se aproximasse da minha, eu viveria o nojo. a repuna. só de imaginar o gosmento da saliva, o gosto mal cheiroso da água da boca, eu faria o vômito. a ânsia. desejaria cuspir a cara, socar o corpo e fugir a toda. se aquele corpo quisesse deslizar pelo meu, eu viveria o asco. o rechaço. o repelir ácido de uma água viva, a nuvem negra de um polvo. eu faria o grito. a negação. desvencilharia-me do abraço, do cheiro enjoado de pele, pondo-me longe e a toda. se aquele corpo ali me amasse, eu preferiria morrer sem que o soubesse.
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.:marcio markendorf
imagem: cindy sherman, untitled film still 7.
Um comentário:
é isso? ficção é pensamento? teatro seria texto? literatura seria texto ou pensamento? se tanta gente pensa tanta coisa, por que a arte é um algo outro além de pensar ou escrever?
Temos aqui a experiência de 'alguém' que PENSA em como reagira a ação de um corpo que de corpo não tem nada. é vazio o discurso, tanto quanto o corpo que lhe dá repulsa. Antes de sentir repulsa pelo outro 'corpo' (que nem corpo é) quem narra sente repulsa de 'si'. Nem do seu corpo sente repulsa, porque fantasmas, como personagens, não tem corpo. O que nega, afirma. Reafirma o desejo impossível de ter seu corpo, de certo idealizado, tocado. Fanstasmas não fazem amor porque não se toca o vazio. O vazio toca as superfícies, mas dois vazios não se tocam. Sempre aprendo algo com seus textos, mania produtiva.
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