6.12.2009

eu não sou depois de quatro horas de vodka

quanto tempo faz não sei. e se algum dia eu soube, esqueci. um inferno isso. que faço eu agora? o músculo da perna treme. quase me faz derrubar os dois fios branquinhos em cima da carteira. pára, porra, pára perna. é um banheiro, estou num banheiro. a cabine, fechada. ouço vozes de gente bêbada e mulheres batendo na porta. quero tanto ficar fora do ar e esquecer o que existe lá fora. lambo a borda do cartão. é bom esse gosto amargo e a dormência que vem depois. melhor ainda a sensação descendo de cima da garganta, adormecendo a respiração, a língua, me colocando logo eufórico e travado. abro a porta. quanto tempo não sei, mas que alguém quase entrou a ponto de vomitar em mim, isso foi. nem me lembro de você. ou de você. ou dela.

acendo um cigarro. chego mais perto do espelho e noto a pequena denúncia no canto do nariz. discretamente molho as mãos na pia e finjo lavar o rosto. artimanha de bêbado. ninguém nota. quanto tempo não sei. ninguém sabe. então me lembro que antes eu ficava com alguém no meio da pista. quem era não sei. se soube, esqueci. odeio esquecer as coisas e transformar a potência de ser alguém na insuficiência do ser ninguém. ando tendo blecautes terríveis pelas noites: acordo em casas que desconheço, em camas que nem imagino e com pessoas que nem por deus. quase acho sorte esquecer das coisas que eu posso me arrepender se descobrir a verdade. se aconteceu mesmo, não sei. pode ser alucinação também. então, melhor que seja assim. quando vi o dealer, nem sei como foi, a coisa rosada já estava na minha mão, depois embaixo da língua e descendo com o último gole de vodka. não lembro se foi antes ou depois do banheiro. aconteceu, não importa. importa que eu existo, você existe, você também. e você, de olhos azuis. por que da cor dos seus olhos? e do formato de sua boca? por que sua cor branca e seu sorriso insuportável de tão lindo? o que é dessa beleza que não sabe de onde veio e nem para onde vai? se deus existe, eu esqueci. são as coisas no mundo que me lembram dele. e são as coisas no mundo que me fazem esquecer de mim. quanto tempo faz não sei. sei que não sou quem pensei.

2 comentários:

Dan Oberdan Piantino disse...

confesso que não esse texto, mas pelo formato e algumas palavras que antevi, arrisco que fala de alguém em dissolução, o 'depois' do título fala isso. ´Depois' = limiar, um vir-a-ser após. Aliás, é disso que tratam seus 3 textos anteriores. Falo isso para ressaltar a construção (consciente o não) de uma temática, uma série, uma progressão, recurso que caracteriza tua literatura e costuma prender o leitor. Falemos mais desses desdobramentos da escrita depois. Espero escrever aqui nos invisíveis em breve. Tirei férias curtas mas prometo que volto caros leitores.

Ana Farrah disse...

Hum... abstraindo toda estilística prória da tua escrita e qualquer impressão literária à respeito, meu comentário gira mais em torno do "rasteiro": só sei que ele (ou ela) estava em uma festa muito louca, onde eu provavelmente estava ou ao menos gostaria de estar.. Talvez estivesse na portinhola do banheiro ao lado, talvez na pista.. São duas loucuras numa noite só? Até a cronologia ficou confusa e chapada. Travou e depois virou um relógio lisérgico de Lucy no céu com diamantes ou algo mais moderno e mais sintético.
Sei que adoro.