2.21.2009
carta de falecimento
beloved,
hoje recebemos a notícia da morte de Peter. sim, por mais inacreditável que possa parecer, seu irmão também estava na guerra. quis o destino que, depois de catorze anos de buscas pelo paradeiro do mais velho dos Howards, ele chegasse ao fim tão perto de você. tão perto honey, tão próximo que nunca mais poderá ser encontrado.
o cargueiro em que ele estava foi bombardeado a 4,5 quilômetros da base de operações em que você serve, isso enquanto você pensava estar protegendo-o como você pensava ser capaz de nos proteger enquanto nos deixava. fico imaginando seu rosto agora, a expressão do choro preso nesse coração de soldado. se eu estivesse aí, meu silêncio diria tudo, e receberia suas lágrimas com o mesmo calor que embalaria sua cabeça em meu colo.
não, não me julgue. se você se ofende com a ponta de alegria que se insinua em minha caligrafia, é porque não sabe o quanto chorei nos segundos que antecederam a notícia do falecimento.
você disse para eu não fazer isso, mas costumo lhe esperar da varanda, com minhas roupas de passeio, como se a qualquer momento sua figura fosse surgir entre os morros. um dia, pensei ter visto você quando quem se aproximava era um dos mensageiros da morte. assim chamamos os militares que percorrem nossas pequenas cidades para ceifar o que resta de esperança em famílias inteiras. reconheci, de longe, sua expressão de, I am only fulfilling orders
era certo que vinha em direção de casa e, por isso, tremi. quando finalmente parou em frente a varanda, meu vestido já encharcado, meu rosto abaixado e meus olhos cerrados, mostravam que não era preciso esperar a carta para que eu soubesse que o soldado da casa morrera em combate. he passed way with honour, mas não me interessavam os floreios se todas as palavras se resumiam no envelope negro com o brasão do exército marcado em cera quente. se sua mãe estivesse viva, choraríamos juntas sua morte, sem saber que era Peter o real destinatário de nossas lágrimas.
tudo o que falo, é para lhe dar a chance de se despedir de seu irmão antes que a guerra nos obrigue a mais despedidas... dizem que são bonitas as dançarinas dos bares de caserna... entre nesse mar e tenha certeza que é o mesmo mar que toca Peter. ore por ele como se estivesse abraçando seu corpo, encha os pulmões dele de seu espírito e deixe-o ir. que encontrem, juntos, a paz.
mary falou algo que, por imaturidade minha, não permite que esta carta termine por aqui. ela acredita que quando você, my soldier, my man, voltar, que quando estivermos juntos, e cada vez mais próximos, será o fim. para não discordar, falo de como a distância me faz prenhe de cartas e nisso nos aproxima. ela me fuzila quando diz, taxativa, proximities kills brothers, fiancés and letters.
minhas cartas não estão em guerra para que eu as deixe morrer, porque nem o governo, nem as leis, nem mesmo seus bobos defeitos, que de perto são tão evidentes quanto os meus, podem me tirar o prazer de escrevê-las. mesmo colocando-as em perigo, espero seu retorno na varanda de casa. ela é nosso mundo seguro quando lembramos de nos olhar nos olhos.
.: oberdan piantino
(15ª das cartas de edward para hopper, proposta literária
baseada no projeto epistolográfico do blog incorrespondências,
de marcio markendorf e nas correspondências de ana cristina césar,
imagem de edward hopper, "summertime", 1943).
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