1.18.2009
carta de amor pode ser imagem
cariño,
não há nada escrito nesta carta, porque não é com palavras que quero saciar a falta que, já não tenho dúvidas, você sente. não tenho nada a dizer. ao invés disso, chego antes do corpo de texto com imagens que comprei durante a viagem. os cartazes, os postais, as pinturas com cenas rurais dessa grande metrópole, os guias turísticos, são imagens que compartilho com você para dar boca às máscaras que se tocam sem reconhecerem-se duplas; para imaginar proximidades e para distrair a saudade. e porque quero tecer fios de contato e gozo cada vez que você me receber em meio as contas do mês e as propagandas impressas a quatro cores em papel especial.
passei a viagem de volta me preparando. colei, una a una, as imagens sobre o corpo. na coxa, aquela em que vi meu desejo sentado na areia a escrever cartas. na canela, aquela em que me abasteço com sua memória. nas costas, aquela em que confesso meu medo do gran hermano. no peito, aquela em que se abrem as portas. no antebraço, aquela em que me desarmo. na barriga, aquela que retrata, em minha fuga, a fome que me faz procurar-te a cada esquina.
retorno a sua casa meses antes do prometido. sobre as pontas dos pés, entro em seu quarto e te encontro dormindo. é natural seu sono leve, sono de quem se cansou da espera e se conforta em um breve esquecimento. não me culpe, me agradeça, pois foi essa longa viagem o que lhe permitiu encontrar-me em sonhos para não nos desencontrarmos em vigílias. para não nos desencontrarmos em vigílias. a insônia que lhe agarrou os olhos foi a mesma que lhe pesou as pálpebras.
sento-me na cama e, após distrair-me com suas armas e escudos largados pelo chão, pego a mão que você guarda mais próxima do peito e me acaricio os lábios. beijo-a lentamente, a palma e o inverso. você se desperta, encontra meus olhos, respira fundo e me ama em silêncio. não preciso dizer palavra para que você saiba que lhe convido a contemplar mais uma imagem, dessa vez comigo, dessa vez com sua mão sobre a minha.
atravessamos a casa, descalços enquanto nos enlaçamos os dedos. descalços sobre o tapete de fios macios. descalços sobre o piso de madeira. descalços sobre os cacos da louça que não teve culpa da minha partida. descalços a contornar móveis. descalços, lado a lado, com meus passos a sussurrarem izquierda, derecha, esquerda, e o seus a acompanharem com right, left, direita. descalços a tocar calcanhares. descalços sem largar as mãos. descalços sem dizer a, para não dizer b, para não estragar tudo. descalços quase a chegar na areia da praia. descalços...
é com este quadro esboçado em carta que cubro seus olhos de cariños para estarmos próximos, mesmo longe. assim acredito que você não precisará mais procurar-me na paisagem que se recorta em sua janela, e não precisará mais ver-me longe de tua cama. deseo hacer amor, mesmo que em cartas. e é tão simples. uma carta de amor pode ser imagem, muda e arrebatadora.
.: oberdan piantino
(7ª das cartas de edward para hopper, proposta literária
baseada no projeto epistolográfico do blog incorrespondências,
de marcio markendorf e nas correspondências de ana cristina césar,
imagem de edward hopper, "morning sun", 1963).
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Um comentário:
bem boas as tuas cartas, viu?
não sou de muitas palavras - nem meias
mas tens uma coisa boa dos cenários, quase se tornam contos...
tem um charme e outras críticas até farei quando ler mais de um pouquinho teu.
;)
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