12.03.2008

chove latas

__Poderia chover a cântaros que ele não voltaria para casa. Nada o esperava lá, a não ser o persa que da janela mirava sua fome ser cantada por uma garoa insistente. Dos muitos conhecidos que tinha pela vizinhança, nenhum seria capaz de ouvir sua história até o fim. Nenhum de seus amigos seria capaz de guardá-la longe daquele peito tuberculoso para que ele, assim, pudesse esquecer.
__Fazia meses que sua função de organizador de gôndolas do mercadinho de bairro mostrava-se um futuro promissor. De organizador a gerente, essa era sua meta. Mas um dia, por azar, descobriu que atrás da parede de bebidas se escondia um universo de crimes. De um buraco entre o whisky paraguaio e a vodca argentina ele podia acompanhar a desova de sucos em embalagem longa vida. Esse era o começo do pesadelo, mas não o fim.
__Nada do que tinha vista naquele lugar o assustara tanto quanto a cena presenciada na manhã daquele dia chuvoso. Entre a gôndola de enlatados e a gôndola de cereais, o corpo de seu patrão repousava morto sob latas de sopas de brócolis com batata.
__A polícia com certeza concluiria que fora um acidente, mas ele sabia que a lata que havia retirado da base da montanha de sopas o poderia incriminar. Em sua mente não parava de passar a cena do velho seu Manoel sendo soterrado por latas.

.: oberdan porto leal piantino

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