11.15.2008

daniel e juliano

havia quatro anos que se conheciam. a primeira vez que o viu foi no silver yatch, uma festa qualquer. embriagado de tanta cerveja barata, quando não conseguia mais pensar em nada, sentou-se numa das mesinhas do bar.
foi quando o viu.
discutia a altos brados com o oficial de serviço ou o comandante, quase aconteceu uma briga, alguém interveio, puxaram cada um de lado. quando um passou pelo outro, momentaneamente cruzaram os olhos. se acreditasse em paixão à primeira vista, teria dito que sim, que teria se ajoelhado de tanto amor instantâneo, ali naquela hora mesmo. só não acreditava em amor. muito menos de homem. mas não disse nada, nem se mexeu e então olhou para fora. quando voltou os olhos, o havia perdido de vista. e a noite doeu tanto. e mais um pouco.
da segunda vez, lembra-se quase nada. era uma festa também. viu-o de relance entre outras pessoas animadas demais, embriagadas demais.
apenas na décima quinta vez se falaram. soou mais como conversa de camaradas. falando alto demais, competindo com o som do night club.
'aí, foi mal'
'bebeu demais, hein?'.
'dá nada'.
'é, tem que aproveitar'.
'qual o seu nome?'
'daniel'
...
depois de uma longa pausa, na qual nem se olhavam, mas invariavelmente se esbarravam porque estavam no mesmo lugar apinhado de gente, ele olhou para baixo perguntou, por esquecimento ou educação.
'e o teu?'
'o meu o quê?
'o teu nome, pô'
'juliano'
'bonito. bonito o nome'.
era a primeira vez que recebia um elogio descarado assim de um outro cara. tremeu por dentro depois não soube mais o que dizer. apontou para o bar querendo mostrar que ia pegar uma bebida. e sumiu.
sumiram.
a próxima vez que se viram foi numa private party. à beira de uma piscina, gente rica, muito álcool, sex, house & drugs. daniel estava com a namorada. juliano também. por causa de alguns conhecidos em comum acabaram na mesma roda. então vieram aquelas duas carreiras de coca, os três comprimidos coloridos de ecstasy, as inúmeras taças de champagne, o tiro de special k. primeiro foi o daniel que se levantou, caminhou até a sala que se abria envidraçada para a área da piscina e se jogou no sofá. juliano olhou para os lados, depois se levantou e foi para o mesmo lugar. ninguém ali parecia estar prestando atenção em nada. as duas namoradas deitadas nos puffs do deck, então, pareciam dois peixes mortos de tão molengas.
quando se sentou ao lado do outro, juliano fechou os olhos e tentou não pensar no que estava para fazer. ao abri-los de novo, inclinou o rosto para o lado e pegou os olhos de daniel perdidos fixamente em seus lábios. aconteceu, pois. atraídos por um magnetismo obscuro, diabólico, irracional, se beijaram, se amassaram e mesmo rolaram do sofá para o tapete da sala.
e ninguém viu ou pareceu ver. ninguém se importou ou mesmo pareceu que.
foram felizes naquela hora, ali.
e foi amor.

só que o dia veio vindo, batendo nos copos, nas toalhas estiradas nas cadeiras, nos corpos em volta da piscina, no vidro fumê da sala, nos dois no tapete. foi quando juliano re-intepretou a raposa, numa luminosidade às avessas: 'o essencial é invísivel aos olhos'. e não quis mais, nem entendeu aquele amor ali do seu lado, com o braço ao redor do seu pescoço. queria fazer tudo desaparecer. a noite desaparecer. o mundo.
pegou as chaves do carro, sem namorada alguma ou mesmo água para uma cara lavada, sumiu.
não antedia os telefonemas da casa ou do celular. não atendia a campainha. não parecia morar no mesmo lugar. daniel, que nem o sabia, muito menos o conhecia, andou mais calado do que o costume. e mais violento. até que sumiu também. da vista, da cidade, do ar.
ninguém soube mais deles. alguém disse, acho que foi deus, que os viu felizes, em algum lugar no mar, lá onde a vista não alcança, lá onde o amor é essencial. há anos.

2 comentários:

Dan Oberdan Piantino disse...

A maneira como a trajetória do sol é narrada cria uma imagem pregnante. Seus raios batem sobre objetos e corpos que são, naquele momento, estátuas, pura imobilidade. Se após uma noite de amor dormem os homens por que não dizer que os objetos fazem o mesmo? Não seria a exaustão o motivo que faz os objetos permanecerem imóveis, assim como os homens?
O ritmo do conto é denso e não deixa o leitor se cansar em nenhum momento, gostei.
OberdanPiantino

honey disse...

que linda tua narrativa, baby.
estou encantada! quero mais!