12.29.2008

entre cartas e coelhos


cariño,
temo pelo futuro dos coelhinhos, em sua fome de viver eles são presas fáceis. Assim percebi quase no final da viagem de ida. paramos em um lugar onde o devorar se multiplicava: enchia-se o carro do gás natural, direto da bomba do posto. os bonsais nutriam-se da mistura de areia, pedra e cerâmica bem disposta em seus pratos rasos. os viajantes devoravam toda a variedade que pode oferecer um buffet a quilo. e aguardavam as cobras, em seus viveiros, os porquinhos da índia que comiam sementes de girassol na gaiola. aquele lugar era como a vida moderna, um shopping center de beira de estrada. antes de qualquer obsessão por roedores, era natural querer saber se aqueles pequenos e singelos e fofinhos ratinhos da índia seriam o prato do dia da caninana ou da jibóia. a tratadora de cobras deu o bote, se pudesse daria coelhos para as cobras, para engordarem, estão magras.
senti medo e dúvida. queria me opor, esbravejar, quebrar a futura prisão de coelhos, mas isso seria me expor a grande tela que tudo vê, a tela onde minha história passa para o nem sempre distraído público. fiquei de lado para não me ver como superfície dissecada pela projeção de um filme de 35mm.
não é escolha dos coelhinhos provocarem fome em cobras, assim como não é escolha das taças de reveillon quebrarem-se no brinde, do pão com manteiga cair virado, das explosões provocarem admiração aos que podem olha-las de longe, e de suas cartas provocarem minhas cópias bem dobradas em envelope. a escolha está repartida entre o cortázar que os vomita e a casa que os recebe. hoje descobri que os coelhos e as cartas são mágicos, para não dizer como mary, em seu bom academismo, que eles são pontes para sobrevivência simbólica. ao envolvê-los nos braços, ao aproximá-los dos lábios, suas longas orelhas se eriçam para ouvir-me falar de coelhos, de cartas, de infinitos mundos. e as orelhas crescem sobre meus ombros. volutas de cariño. posso sentir seus chiados entre o moderato e o allegro, música de fundo para as histórias que narro.

.: oberdan piantino
(3ª das cartas de edward para hopper, proposta literária
baseada no projeto epistolográfico do blog incorrespondências,
de marcio markendorf e nas correspondências de ana cristina césar,
imagem de edward hopper, "new york movie", 1939).

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