8.18.2013

a abelha


eu a vejo entrar pela varanda - às vezes também pela janela do quarto. vejo-a voando pelos corredores, viajando pelas vidraças, vagando perdida em tanta parede branca. não tenho medo de que se aproxime. eu temo é que se assuste em sua desorientação e imagine que estou a atacá-la. se isso acontecesse, nós dois estaríamos magoados. eu, por não ter sido compreendido; ela por ter feito o que não gostaria. eu sei, baby, que nem sempre é possível ser doce. a doçura pode escapar ao controle das mãos, deslizar mais pesada pelos cabelos e marcar a pele com uma leve pressão vermelha. a delicadeza é também uma educação - e eu tento escrever contigo um bildungsroman dos pequenos afetos. talvez você pense que o passado me assusta e, por isso, faz eu correr descalço pela campina grande dos dias. não há do que correr. o passado está passado e só como um médium que se pode confrontá-lo. o passado é um morto a passar mensagens para os que vivem no presente. para o passado só podemos ter compreensão - ele é feito de nossas experiências de erros e de acertos. às vezes muito mais erros que acertos, mas sempre uma história de aprendizado. esta abelha que vejo já esteve aqui, já se perdeu outras vezes, e é possível que se perca de novo. e que posso fazer eu senão ser compreensivo com suas visitas erráticas? ajudá-la a encontrar novamente a saída, permitir que não se enrosque nas cortinas ou não seja perseguida pelo cachorro da casa. é o que eu procuro fazer. sim. eu converso com ela - por vezes de forma dura, despida de doçura, dizendo o quanto ela não entende, o quanto ela não vê. há dias que ela consegue se recuperar rápido e bater asas para longe, para renovar a energia nas flores do campo, para preparar mais geleia real, mais favo, mais colmeia. há dias em que ela precisa de  muito pólen para passar o dia, para sobreviver à rotina de trabalho, para sobreviver às preocupações da rainha com o andamento do microcosmo que governa. eu penso em como seria feliz a abelha se não precisasse de tantas gotas de mel, se não precisasse nunca mais voltar ao pó. eu sei que as pressões de sua pequena sociedade a perturbam, acho que é nesses momentos em que ela se perde e andarilha pela minha casa. ou sozinha pela própria casa, incomunicável, temperamental. ela teme o zangão, esconde-se dele e evitar falar sobre os problemas. mal sabe a abelha que na dinâmica da colônia, as abelhas devem contar com as abelhas, não com os apiários e os apicultores. a colmeia é o laço natural - representa a fraternidade, a maternidade, a paternidade. essa pequena abelha, tenho certeza, pertence à realeza - suas conquistas ancestrais apontam para isso. está no sobrenome de sua cor leoa. então, por mais que ela se perca nas tarefas a cumprir, nunca deixará de ser alimentada pelos seus para se tornar uma nova rainha, forte e iluminada. ninguém disse que seria fácil, mas mais difícil é viver do orgulho cego, não admitindo os pequenos erros e não pedindo ajuda. a pequena abelha não precisa dar volta em círculos, nem apostar carreiras consigo mesma. somos mais fortes quando somos todos um. por isso direi a ela, quando voltar voando, que pouse nas minhas mãos e não tenha medo de começar, nem de experimentar outros caminhos: mais doces, mais afetuosos, mais próximos, às vezes mais frágeis sim, mas que podem nos encher de abraços e beijos para não nos perdermos mais na parede branca. quando a abelha voltar, direi a ela que minha preocupação é apenas pólen de amor; meu coração, uma delicada e silvestre florada.

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