2.08.2011

black swan



desliguei o telefone. era assim então, eu queria ir ver o filme, por que motivo eu não poderia ir sozinho? tomei banho, me vesti, tomei mais um pouco de coca-cola, escovei os dentes, passei perfume, me olhei no espelho. por que não? sou um homem independente, um sujeito moderno, posso muito bem sair sozinho e não depender de ninguém. demorei-me ainda pelo apartamento, um grande apartamento de dois quartos, um escritório e uma pessoa. quase sabotei minha partida. quase. mas decidi que se eu conseguisse chegar até a porta, eu iria. e cheguei.

caminhei a passos médios até o cinema. é perto daqui, no shopping center. salas do tipo estadium. chegando lá comprei o ingresso. lancei um olhar para as pessoas. casais, duplas de amigos, grupos de amigos. e eu, só. e eu só e me esgueirando até algum lugar, mexendo no telefone, olhando a hora como como como se esperasse alguém. não sei se me dei conta, mas era isso que eu fazia na hora. ainda faltava meia hora para o filme começar e me sentei em umas das poltronas macias e aguardava. casais compravam pipoca, coca-cola, chicletes, doces. e eu, esperava. levantava a cabeça, olhava para os lados, ainda como se esperasse alguém. quando faltavam dez minutos para sessão, me levantei, fui comprar alguma coisa. pipoca grande, coca-cola grande.

subi as escadas até meu lugar. a minha fileira ainda não tinha ninguém. apenas uma mulher loira. ao me aproximar notei que ela devia ter uns 35 anos. notei que estava sozinha. e pior: o meu banco era ao lado do dela. sentei-me uma cadeira depois. ia me sentir muito constrangido diante de todo aquele espaço a ser compartilhado entre duas almas, aparentemente, solitárias.

o cinema começou a encher. duas garotas sentaram-se ao meu lado. com o rabo do olho fiquei observando o espaço vazio entre mim e a loira. ela me parecia conhecida. lembrou-se uma colega de trabalho que já era uma solteirona por falta de opção, eu acho. ela vivia com um gato há muitos anos. um dia ele ficou doente e precisou ser sacrificado. ela chegou aos prantos no trabalho, não conseguiu fazer nada, foi dispensada e não voltou por uma semana. por luto. o gato era o amor da vida dela. bem que uma vez eu ouvi por aí que quando a gente está ficando velho e solitário fica com mania de bicho. uma semana antes de saber disso, havia pensado em comprar um cachorro...

o filme está para começar e um atrasado entra na fileira que eu estou pisando nos pés das pessoas, pedindo desculpas, derrubando pipoca. é. eu estava sentado no lugar dele. fingi que eu tinha me equivocado e tive que pular para o lugar vago. droga. acho que pior que unir a solidão de duas almas solitárias foi dar a entender que eu não quis sentar ao lado dela. e o filme começa, para meu alívio e distração.

depois de dois terços do filme eu ainda estou roendo aquele pacote enorme de pipoca. okay. não é tão grande assim, a coca-cola já foi quase inteira, mas senti que a pior coisa do mundo é comprar um combo de lanchonete de cinema e não ter com quem dividir ou com quem ter a briguinha típica do tipo 'vai lá carregar' (se bem que não existe mais isso desde que os cinemas muquiranas passaram a cobrar taxa de recarga). dois terços. eu roendo a pipoca. uma hora achei que meus vizinhos estavam irritados com meu roc roc, afinal era um filme de suspense e de vez em quando vinham aqueles silêncios todos de elevador. passei a morder suavemente aquelas pipocas que, por sinal, já estava ficando murchas.

fiquei rezando para não ter nenhuma cena na qual eu pudesse chorar. chorar no cinema é um gesto de vergonha, de acobertamento. em casa você poderia estar soluçando, aos berros, jogando-se no chão ao lembrar que sua vidinha medíocre é tão igual aquela ali da tela, mas não. no cinema você precisa ser contido, deixar as lágrimas rolarem com muita sutileza e fazer um gesto muito sutil para secar ou assoar o nariz. melhor é só assoar o nariz, fingir que tem rinite ou algo assim e deixar a lágrima secar sozinha. ou nem chorar. você é forte (repita para si mesmo o número de vezes suficiente até a cena acabar. e olhe com cara de espanto para que estiver snifando).

o filme acabou. você ainda guarda as últimas impressões da cena final. apalpa os bolsos para ver se não caiu nada. espera as pessoas começarem a se levantar. junta seu pacote de pipoca murcha e seu copo de refrigerante, levanta-se, olha para os lados só para conferir e segue em frente. é melhor que ninguém veja que você foi ao cinema sozinho. ainda mais depois de notar que o cara atrasado que sentou no banco que você ocupava só se sentou lá porque o cinema estava cheio e não tinha lugar para ele sentar com os amigos dele. e pior: os três saem comentando sobre o filme. você...você não tem com quem comentar nada.

então: você vai para casa. está chuviscando. você pega a beira mar e vai andando a pé. parece que o caminho até a sua casa é maior do que é na verdade. você quer chegar logo, trancar a porta, tomar uma bebida, deitar no sofá. REFUGIAR-SE. no meio do caminho, para passar o tempo, tem uma conversa virtual sobre o filme consigo mesmo. diz que não achou nada demais, que a crítica exagerou, que tudo não passa de uma versão de 'william wilson' aplicado a um filme de balé. a mesma balela do original que, depois de ter fantasias persecutórias com seu duplo, acaba por matar a si mesmo. sensação de déjà vu. e nem achei a natalie portman lá tão boa no papel. a cara de coitadinha dela me irritou boa parte do filme. tive vontade de eu mesmo ir lá dar um tabefes na cara dela. e a interpretação do cisne negro, que devia ser a melhor parte, foi apenas uma nesga do filme. okay. pode ser que eu esteja descontando minhas frustrações na película. pode ser que eu apenas seja...solitário e triste. então a chuva fica mais forte, os carros atravessam a toda velocidade lançando água para a calçada. quando posso atravessar a avenida, imagino ter visto na poça d'água no asfalto um patinho feio esperando para virar cisne. talvez branco, talvez negro.

.:marcio markendorf



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